[spoiler] O criador, David Chase, após anos de contestação, encontrou o que julga ser o final ideal para a série. E a inspiração viria de outra conclusão considerada insatisfatória: Seinfeld. No episódio final do humorístico, todos vão parar na cadeia. Chase, que acredita ser difícil encerrar uma série, defende que essa resolução seria um destino mais apropriado para seu programa, que terminou com um final aberto: a família Soprano, jantando fora, no que parece ser vigiada. Para ele, as séries poderiam trocar de final. [fim do spoiler].
Para mim, o problema nunca foi especificamente a cena final, mas todo o episódio. Não é uma questão de tom, mas de criatividade: soa como algo menor, desimportante. As soluções surgem apressadas. O programa já havia entregado episódios melhores, ora mais eletrizantes, ora mais dramáticos. O desfecho perde feio para episódios como College, Funhouse, Employee of the Month, Pine Barrens, Whitecaps e Long Term Parking (que finda a participação de uma das minhas personagens preferidas).
De toda forma, acho mais apropriado avaliar temporadas, não a série completa. Por isso, prefiro programas que desenvolvem uma trama por temporada. A segunda de Justifield e a terceira de Damages são inesquecíveis.
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De toda forma, o final não compromete o todo. Muitos depositam grande expectativa na conclusão de suas séries favoritas. Claro, há programas que criam determinada atmosfera para um tipo de final que pede revelações. Quando surge o episódio conclusivo… Lost é um exemplo que decepcionou muitos. O que os levou a renegar toda a experiência.
É um equívoco esperar que um episódio específico traga respostas certeiras para questões que foram desenvolvidas em várias temporadas. Lost optou por um final mais poético, embora alguns esperassem uma conclusão mais "racional". De toda forma, a trajetória do programa sempre foi uma mistura de ciência com misticismo.
Apesar de ser distinto ao que esperava, foi um boa resolução? Embora não alcance a qualidade do belo final de Six Feet Under, foi uma saída inventiva. Outros programas nem ligam para sua conclusão.
Ademais, ao esperar um final eletrizante, cheio de reviravoltas e surpresas, no qual todas as questões são resolvidas, o todo perde importância. Se é necessário esperar pelo final, o desenvolvimento serviu apenas para fisgar/segurar a audiência, adotando truques como “quem matou Odete Roitman”.
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Claro, há gêneros narrativos, como suspense, que pedem uma conclusão surpreendente, ou pelo menos interessante. Não estou pregando que o enredo seja algo menor. Apenas defendo que os momentos finais de uma obra não sejam a única parte importante para avaliar seu legado.
O cineasta François Truffaut já defendeu que cinema norte-americano é focado na trama. O europeu, nos personagens. É por isso que, em Hollywood, muitos filmes têm ritmo alucinante. A ação é o que importa. Por outro lado, muitos acusam que não acontece nada nos filmes do velho continente.
Hoje, é comum falar que a tv produz grandes obras. O programa A Escuta (The Wire) é considerado um “romance visual”. Embora não goste desse tipo de abordagem (apontar referências em artes consideradas nobres para legitimar o novo), é inegável que o melhor da tv se mistura com preceitos de outros meios: é cada vez mais comum encontrar narrativas mais lentas, personagens multifacetados, atenção especial ao texto… Se essa simbiose ocorre, é natural puxar da literatura outra característica: muitas vezes a forma como se narra uma história é mais importante que a trama em si.
Do contrário, é como assistir novela mirando o capítulo final, que apresenta os desfechos das intrigas, vinganças concretizadas e para saber quem vai ficar com quem. O argentino Diego Guebel, diretor-geral de conteúdo da Band, não aprecia folhetins justamente por isso: “Não me interesso por programas que aprisionam o público por dias, em que nada acontece. É hipnose.”
Don Drapper, de Mad Men, já disse: “meus piores medos surgem da antecipação”. Por isso, embora o capítulo final seja sedutor, importa mais a jornada até ali. O jornalista Álvaro Pereira Jr resumiu a questão:
Se é para sofrer, a gente topa. Mas tem de haver uma troca, um pote de ouro no final desse caminho tortuoso. Ou pote nenhum -mas aí é preciso que o percurso, ainda que difícil, apresente beleza e originalidade.
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Acima, um resumo das seis temporadas de The Sopranos.